Mudhoney: um passeio pela sua obra icônica

Quarteto promove uma noite noventista em São Paulo

RESENHANOTÍCIAS

Texto: German Martinez - Fotos: Fernando Yokota

4/2/20256 min read

Quando o Mudhoney foi anunciado, já causou um frio na barriga de muitos garotos de camisas de flanela, eis que na abertura estariam os santistas do Apnea, mas pouco tempo antes foi anunciada a vinda de Elder Effe, artista do estado do Pará, que vinha com uma artilharia pesada pra o acompanhar, com Augusto Oliveira na bateria, Bruno Cruz na guitarra, e Inezita, no baixo.

Era nosso segundo show da banda, visto em menos de uma semana, e como foi dito anteriormente, a performance é implacável, é uma energia imensa, uma banda soando redonda. Músicas de destaque como: Derretendo, Monstro, Ego e a homenagem a Mestre Laurentino, com participação de João Lemos do Molho Negro. E vale o adendo de como o público interagiu com a banda, cantando e apoiando. Sem contar a tremenda postura política de Elder, mandando o recado pra quem quiser ouvir, num momento tão necessário no nosso país. Ouçam Elder Effe, recomendamos e muito!

O Apnea, quarteto pesado de Santos, que tem na sua formação Nando Zambeli, Boka, Marcus Vinicius e Gabriel Imakawa, trouxe um som mais "ensolarado" lembrando muitas referências californianas, mas por muitas vezes os riffs de Nando vinham de uma influência de Tony Iommi. A banda que ainda promove seu álbum de estréia Sea Sound, lançado em 2022, fez um bela performance arrancando aplausos da platéia.

Parece brincadeira, mas reconhecer que o tempo passou, que você envelheceu, mas ainda valoriza as coisas que você ama, ainda fazem sentido pra você seguir em frente. O Mudhoney se enquadra nesse tipo de caso, a banda junto de muitas outras de Seattle foram primordiais pra nossa entrada na música como um todo, eles foram os culpados de discos e canções que não saíriam facilmente do nosso inconsciente, a banda acompanhou a nossa infância, nossa adolescência, e agora essa vida adulta tão confusa, que ninguém havia nos explicado que seria tão complicada, mas tão linda de se viver, por uma obra do destino há 17 anos nós estávamos numa das noites mais caóticas que o Mudhoney ofereceu aos brasileiros, no extinto Clash Club, e produzido pelo próprio André Barcinski, pois bem, e essa analogia ao tempo, nada melhor que um vinho branco que Dan Peters entrou no palco se deliciando, isto comprova que a banda envelheceu e bem.

O Cine Jóia, belíssimo ambiente recebeu o quarteto pra uma noite que iria ser além do imaginado. O repertório que já havia sido pesquisado em outros locais, por onde haviam passado, mostrava a banda passeando por todas as fases de sua discografia, e pontuando coisas novas, e logicamente entoando clássicos de sua trajetória, os shows já estavam durando 1:30, coisa que não é muito habitual nos tempos de hoje.

Abriram logo de cara, com um hino do Superfuzz Bigmuff, If I Think, com todo aquele ritmo quebrado e dançante. A galera das antigas já foi ao delírio, e só se comprovava que essa noite ia ser "daquelas". A simpatia dos caras é tremenda, sempre com um sorriso no rosto, um pouco tensos nas 3 primeiras canções, mas nada que não fosse pra alinhar volumes de retorno, ou coisa parecida. Dali vieram a magnífica Move Under, com refrão pegajoso e uma das melhores do novo álbum Plastic Reality. Get Into Yours, do álbum de estréia.

Com o baixo marcante de Guy Maddison, e uma psicodelia vinda da guitarra de Turner, Nerve Attack, chegava pra deixar todo mundo numa rotação mais lenta. Bastou 5 segundos de guitarra, pra geral enlouquecer e gritar a plenos pulmões Into the drink, hit fácil do Every good boy deserves fudge, a cadência e peso genial de Dan, foi espetacular.

E pra quem se lembra da nossa propaganda da revista que eles foram capa, a totalmente percussiva mas que ganhou uma nova cara, Almost Everything. De volta aos primórdios e pros bons tempos de MTV, em Good Enough.

Garagem e esquisita até o osso Judgement, rage, retribution e thyme. Let It slide, que também tinha um clipe engraçadíssimo.

Steve Turner no canto direito do palco dos espectadores, se compenetrava com seu riff de Sweet Young Thing Ain't Sweet No More, pra que Mark pudesse cuspir ódio na letra e ter ali um dos melhores momentos da noite. E que sequência, o ápice da loucura estava por vir, quando veio a intro de Touch me I'm Sick, com várias rodas se abrindo e cantando o refrão.

Plastic Reality apareceu novamente com Little Dogs. O álbum Tomorrow Hit Today foi lembrado com Real Low Vibe.

Com todo mundo já anestesiado com a aplicação da vacina "grungy", caberiam mais belíssimas canções que cravam o Mudhoney na história da música mundial, era hora da suja You Got It, com destaque pra Turner fazendo miséria de sua guitarra. Caiu como uma pedra na cabeça, com Suck you dry.

Desaceleravam pra voltar ao Plastic Reality, que contou com nada menos do que 6 faixas, com direito a psicodélica Souvenir Of My trip e a quase contida, Tom Herman's Hermits.

Mark Arm abandonou a guitarra pra trazer canções mais "punks", e trazer todo o lado Stooges do Mudhoney, em canções como F.D.K ( Fearless Doctor Killers), Oh Yeah, do Digital Garbage, também se fez presente.

Veio o maravilhoso riff de I'm Now, uma das melhores canções da banda, como já confessamos aqui em algumas matérias sobre o Mudhoney, faixa que abre o excelente The Lucky Ones, de 2008. Outra pedrada do mesmo disco, Next Time, com uma batida monstra de Dan em seu kit de bateria.

O pogo comeu solto em Chardonnay, do quase esquecido Vanishing Point. Seguida de Paranoid Core, e Human Stock Capital, com uma batida alucinante e Arm se esgoelando.

Sentimos que o fim estava próximo, e logo vieram 21 st century Pharisees e One bad actor. Se despediram do público e saíram. Pra este que vos fala, realmente achava que era o fim, por os últimos setlists se encerraravam assim mesmo.

Mas algo me dizia que a volta tinha que trazer algo pra surpreender, e isso aconteceu, o bis nos presenteou com Beneath the valley of the underdog, e foi de emocionar de ouvir só o riff de abertura de Here Comes Sickness, faixa que eles não tocaram 17 anos atrás, e que sensação absurda, em menos de 4 minutos, a vida valeu muito a pena. Mas essa não era a despedida até chegar a maravilhosa In 'n' out of grace, que foi a cereja do bolo desta festa.

Se envelhecer é sinal de que você ganhou muita experiência e aproveitou a vida, essa analogia cabe muito a nós e ao Mudhoney.

Fotos gentilmente cedidas por Fernando Yokota