Primal Scream entrega tudo (e mais um pouco) do que era esperado

Desde 2018 sem tocar no Brasil, Bobby Gillespie promove seu novo disco Come Ahead, lançado em 2024

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Texto German Martinez - Fotos Raíssa Corrêa

11/14/20256 min read

Antes de começar este texto nós temos que contextualizar a vinda do Primal Scream ao Brasil, meses atrás haviam cogitações de que a banda estaria no line up de um grande festival, assim como seria no Chile, tocando no "Opening Act" do Fauna Primavera e na Argentina, no Festival Music Wins, e logo um sideshow por lá também, sendo que bandas como Weezer, The Whitest Boy Alive, Yo La Tengo, Massive Attack, também estariam escalados pra tais eventos, eis que o fato que aconteceu foi que a produtora Balaclava Records aliada a Music On Events, carimbou o passaporte deles pro Brasil, em apenas uma data, e que naturalmente seria na capital paulista. Mas também passariam pela Colômbia, Peru e Uruguai. Após uma quinzena intensa da Balaclava, com shows que foram desde The Whitest Boy Alive, Geordie Greep, Cap N' Jazz, Yo La Tengo no formato acústico, e o próprio festival da marca, a semana seguiria pra apresentação dos escoceses em plena terça feira, na Audio Club, localizada na Água Branca.

Dias antes, eles fizeram 2 shows na terra dos nossos "hermanos" da Argentina, e lá, eles soltaram o melhor cartaz de show da turnê, homenageando o gênio Diego Armando Maradona, na arte "El Pelusa", equilibra a bola na cabeça, imagem clássica dos treinamentos na época da seleção portenha, e o nome da banda em letras garrafais.

Após um hiato de 7 anos por terras tupiniquins, Bobby Gillespie e cia, traziam um ar de nostalgia, pois a última performance do grupo por aqui não havia sido das melhores. Tanto que certa parte do público e crítica, se mostrou com certa desconfiança pelo que o grupo viria apresentar nesta nova passagem pelo país. Mesmo cercado de altos e baixos nas suas apresentações no país, o público compareceu em peso sem olhar pra trás. Quando vieram pela primeira vez ainda na época do Tim Festival, em 2004, num show emblemático, depois no Planeta Terra em 2009, voltaram em 2011, pra celebrar o Screamadelica, e tardaram até 2018, pra um show com uma banda apática e sem a baixista Simone Butler, ou seja, havia um frisson por esta apresentação da banda por aqui.

Pra quem já estava de olho nas datas pela América do Sul, enxergou que havia sim a possibilidade de ver um bom show, já que a banda é altamente competente e difícilmente deixariam a desejar em cima do palco. Desta vez Bobby trouxe Andrew Innes na guitarra, Simone Butler no baixo, Darrin Mooney na bateria, Terry Miles nos teclados e synths, Alex White no saxofone, Martha Evans e Roslyn Adonteng, nos backing vocals, ou seja, não era simplesmente uma banda, e sim um combo, uma espécie de banda de blues envenenada com pitadas de soul/jazz e muita Acid House.

De forma assertiva, pelo menos na nossa opinião, o grupo se apresentou sem banda de abertura, no horário descrito. Com seu já clássico terno branco, extremamente alinhado Mr. Bobby subiu ao palco, acompanhado da sua trupe. Com alguns aficcionados na área do gargarejo, eles deram o início a esta jornada que duraria cerca de 2 horas, com a nada convencional Don't Fight, Feel It.

Sob as luzes e fumaça, veio o suingue de Love Insurrection, faixa do "novo" disco Come Ahead, de 2024, que deu o tom á essa nova turnê pra divulgar esse álbum, que aliás é um bom disco, não supera muitos discos dos anos 2000 por exemplo, mas celebra o 12° álbum da discografia do grupo. Os fãs mais antigos foram ao delírio quando surgiram os primeiros acordes de Jailbird, e foi aí que cada mente foi catapultada pra 1994, época em que eles lançaram um dos melhores álbuns daquela década "Give Out But Don't Give Up", e da sua carreira, e me fez lembrar que quando ouvi eles primeira vez, me questionei se haveria um The Black Crowes do outro lado do mundo, e lá descobri que eles eram contemporâneos dos garotos de Atlanta, e já faziam um Rock N' Roll envenenado e lisérgico.

Pra muitos que viraram a cara, que só queriam ouvir outros hits ou sons do Screamadelica, ficaram decepcionados, porque Come Ahead, foi a peça fundamental da engrenagem. Ready To Go Home, abre com os vocais preciosos de Martha e Roslyn, pra cair quase numa "Disco Music", com Bobby encarnando um espírito de Harry Wayne do KC and The Sunshine Band. A banda soa concisa na viagem que é Deep Dark Waters. Medication, resgata o lado "Stones" do Primal Scream e traz a única recordação viva do magistral Vanishing Point.

Entre críticas as políticas mundiais, sejam elas norte-americanas ou do Reino Unido, veio Innocent Money, que foi dedicada ao presidente Lula, e a pegada da faixa também emula os anos 70, como se fosse uma grande viagem nada sóbria pra lugar algum. Logo Bobby ergueu a bandeira da Palestina jogada pela platéia, e também um pôster de Johnny Thunders and The Heartbreakers. Incrível foi o momento que veio I"m Losing More Than l'll Ever Have, e celebrou os primeiros anos de vida do grupo. Com Bobby desacelerando, eles foram pra Heal Yourself, que foi a hora que o povo procurou por cerveja e esqueceu dele no palco.

Love Ain't Enough, ganha corpo com um riff á la Roy Orbison, onde Bobby se perde entre as luzes piscando ininterruptamente, numa sonoridade que se compara aos 80. Mais uma do Come Ahead, é The Centre Cannot Hold, que põem fim as faixas do disco na performance. Já com cara de fim do segundo tempo, Bobby abandonou o terno e se apoderou de maracas, e nisto surgiu a voz de Peter Fonda, dos Anjos Selvagens, e Loaded pôs fogo na pista, e resgatou aquele lado psicodélico e dançante do Screamadelica, voltando numa cápsula do tempo pra 1991, quando essa bomba foi lançada. Sem dó nem piedade, Bobby queria ver a banda destruir na única faixa do excelente e destruidor XTRMNTR, de 2000, que deixou muito órfãos pela sua sonoridade irretocável, e derreteram tudo com Swastika Eyes.

E dá-lhe Screamadelica, com a batida sensual de Movin' On Up, facilmente uma das mais queridas do repertório, e talvez a faixa mais conhecida da banda ao redor do globo terrestre. Faltava o hit do Riot City Blues, disco também "quase" abandonado no set, com a presença ilustre do mega hit Country Girl, do videoclipe impecável, com a presença da atriz Helena Mattsson. Um dos momentos especiais foi na dramática Damaged, que teve as backing vocals dando um show á parte na performance.

O Screamadelica é poderoso e isso é inegável, e foi com Come Together, que eles deram sequência ao bis. Pra fechar da melhor forma possível, eles atacaram de forma extraordinária com Rocks, uma das pérolas "rockeiras" do espólio da banda.

É óbvio que por causa de uma trajetória tão grande quanto do Primal Scream, que ultrapassa os 43 anos de existência, acabaram "limando" músicas como: Miss Lucifer, Burning Wheel, Accelerator, Exterminator, Higher Than The Sun, Shoot Speed/Kill Light, Some Velvet Morning, entre outras.

E assim se despediram, com inúmeras pessoas já do lado de fora, eles voltaram e fizeram o emblemático cover de No Fun, dos Stooges, fechando assim uma apresentação de quase 120 minutos, botando um sorriso de orelha a orelha no público presente.