Smash It Up: duas forças do punk reunidas numa única noite

Os paulistanos do Cólera e os gaúchos dos Replicantes fizeram a alegria do último domingo (03/08)

NOTÍCIAS

Fotos por Raíssa Corrêa & Texto Por German Martinez

8/7/20256 min read

Quando o cartaz desse evento saiu, eu confesso que passou batido, mas com uma certa ajuda do algoritmo, ele começou a veicular na nossa frente, com uma certa peculiaridade. Dia e Noite, Noite e dia, se for pra parafrasear o mestre Redson.

Eis que nós, assim como grande parte dos espectadores, somos do proletariado, e domingo é um dia seminal pro nosso divertimento, sendo pra muitos, o único dia de descanso, mas tudo era convidativo, as bandas, o local que é de fácil acesso e o horário que dava tempo pra jantar em casa e descansar pra mais um dia de batalha.

O domingo é aquele dia sepulcral, ou você sai e faz algo da sua vida ou "morre no sofá" sem nada pra fazer, e justamente nesse dia 03/08, a Smash It Up, preparou um "line up" de respeito, com a participação especial dos Sociopatas (que infelizmente não pudemos conferir), que fez as honras da casa, haveria também a discotecagem de Ariel Invasor e Nicolas Bahia, ou seja, o flyer nunca mentiu que seria realmente uma "Festa Punk".

A Jai Club, está localizada na Vila Mariana, pertinho do Metrô Ana Rosa, pra nós que saímos do interior de São Paulo (Atibaia), ficava na cara do gol, e já fazia um bom tempo, que a gente não fazia uma visita por lá. Ainda com tudo se acertando, a galera ia preenchendo o lugar. E São Paulo, é aquele looping infinito, enquanto os punks e apreciadores se reuniam por ali, víamos "patriotas" desfilando em bicicletas, ou a pé, pra manifestações um tanto ridículas que não vamos perder tempo em falar.

Numa ordem alterada do que tinha rolado na semana, o Cólera se apresentou no meio das 3 bandas. Com a casa já bastante cheia, e com um atraso de mais de 20 minutos, Val, Pierre & Fábio se alinharam no estreito e pequeno palco da casa, e pra funcionar um motor tem que ter combustível, e foi assim que foram de gole numas cervejinhas (risos). O vocalista Wendell Barros, chegou como um reforço que iria fazer um gol aos 47 do segundo tempo, com todo jeito de levar pra prorrogação. Mas quando de fato o time entrou em campo, ah meu amigo, tudo foi diferente.

A presença de Wendell e sua postura frente ao público é algo digno de elogios sempre que vemos a banda, a "vibe" que ele reflete é imensurável em palavras, onde faz todo mundo se sentir incluído e querer entrar no pogo ou cantar junto as canções. E essa tarefa é árdua, porque estar numa banda que teve Redson como porta voz de uma geração ( e ainda segue sendo), não haveria espaço pra quem não tem um mínimo de simpatia e clareza do que canta, e isso Wendell tem de sobra.

Quando a banda entrou no palco, logo de cara, vimos o setlist, que era por volta de 16 músicas, mas foram 18. O Cólera se encaminha pros seus 46 anos de história, e é incrível ver Val Pinheiro e Pierre, juntando forças com uma nova geração como a de Fábio e Wendell, pra seguir o legado.

Músicas como São Paulo, que soa tão atual quanto em 1985, captando os problemas da metrópole.

Saímos um pouco da "caixa" do show, e paramos pra analisar o que o Cólera representa pra cada um desses cidadãos que estavam ali naquele momento, e o nosso pensamento foi muito além do horizonte que víamos no palco, pra nós a banda nos trouxe esperança, e sim que era possível cuidar da natureza e uns dos outros, de gritar com rebeldia mas com consciência, sem proliferar palavras ao léu, os coros que as canções que possuem, não são á toa, são pra interagir e pôr pra fora tudo aquilo que nos aflige dia após dia. O Cólera foi a primeira banda a cruzar pro velho continente numa turnê, nunca mais me esqueço do especial que a Bizz fez, pra esse momento que foram pra Europa.

Quando veio a intro de Medo, a mente foi lá pros anos 80, quando ouvi essa faixa pela primeira vez, aínda numa fita K7, e senti uma energia incrível, quando fui catapultado á minha infância, no bairro do Ipiranga, onde a molecada estava descobrindo bandas como Inocentes, Restos de Nada, Ratos de Porão. Pra falar da minha realidade, da sua e da nossa, Wendell puxou Funcionários, e a sempre implacável Somos Vivos.

O último bloco de canções, se é assim que podemos descrever, veio com canções de alto impacto, como no caso de Quanto vale a liberdade?, com o pogo pegando fogo, a melodia de Dia e Noite, Noite e Dia. Em comemoração a essa trajetória, o grupo tentou equilibrar canções de todas as épocas. Uma das mais aguardadas (pra nós) era Águia Filhote, emocionante como cada estrofe ainda segue viva no nosso subconsciente, e nos emociona a cada vez que é tocada. Era hora da pulsante e crítica Deixe a Terra Em Paz, e o derradeiro fim com Pela Paz, que obviamente seja a canção que mais represente o que Redson quis falar a vida toda.

Um tempo de respiro, já que o ar por muitas vezes faltou devido ao pogo frenético que rolava ao nosso lado, deixamos que Os Replicantes, montassem seus aparatos de guerra no palco. E novamente fomos refletir o quão é importante a obra dos Replicantes, fazer essa dobradinha com o Cólera, não foi por acaso, duas das maiores potências do punk rock nacional, "quase" contemporâneos de cena, e de uma relevância ímpar pro movimento desde os anos 80.

Agora uma pausa pra um reparo histórico, seria a primeira vez que veria Os Replicantes, sim, como pode? É inacreditável que ainda hoje bandas seminais do nosso próprio país, que não tenhamos tido a oportunidade de ver, e isso aconteceu tardiamente, mas aconteceu. Os Replicantes surgiram na minha vida, justamente com o clipe de Festa Punk, uma ode ao punk/hardcore de que mais influenciava a banda naquele momento, e logo na sequência a magistral Surfista Calhorda.

Foi ali, naquele momento que eu pensei, que o punk rock era meu, era seu, era nosso, que o DIY era a porta pra tudo nessa vida. Lembro do alucinado que fiquei ouvindo pela primeira vez O Futuro é Vórtex, depois Histórias de Sexo e Violência, tudo era marcante, as letras eram um tapa na cara da sociedade, as guitarras eram hipnóticas, e tudo era intensamente caótico.

Os Replicantes são mais uma prova que o punk vive, ano passado eles reuniram pra comemorar os 40 anos de banda no Sesc Avenida Paulista, pra 2 noites , com a presença dos ex- integrantes Carlos Gerbase e Wander Wildner, e claro também com Julia Barth, atual vocalista do grupo. Pra quem pôde ver, foi uma verdadeira celebração ao punk rock dos Replicantes.

Formados atualmente pelos fundadores, os irmãos Heinz, Cláudio e Heron, guitarra e baixo, respectivamente, aliados a Cleber Andrade na bateria, e com a ilustre presença de Julia, que tocou em bandas como Cine Baltimore e 3D. Esse era o time pra entrar em campo.

E como condensar tanto clássico num show, pensa numa coisa difícil, mas foi certeiro. Tivemos Chernobil, Boy do Subterrâneo, a canção do amor revolucionário Sandina. Teve Hardcore, a rápida Motel da Esquina. Julia citava o calor que vinha da pista e ia pro palco, chegando a comparar com o clima de Recife, que haviam tocado na noite anterior.

As faixas da "nova" fase do grupo são impecáveis ao vivo, e como considerar 'novas", já que Julia integra o grupo há quase 20 anos. E não faltaram faixas como: a brilhante letra de Punk de Boutique, Libertá & Maria Lacerda. Pra fechar teve a urgente Hippie, Punk, Rajneesh, o hino Surfista Calhorda, a destemível Choque, e pra finalizar a canção que seria a temática da festa, Festa Punk, apoteótica como deve ser. Ainda teve tempo de um bis e saíram ovacionados.

Que venha a próxima edição do Smash It Up!